Quinta-feira, 19.09.13
Espera. Na multiplicidade dos dias, a espera. Não é física. É moral. Está moralmente errado, mas é assim. O que fazer? Uns beneficiam, outros perdem. E vice-versa. Mesma classe profissional. Tratamentos diferentes. Reconduções. Menos graduados sobem na hierarquia.
Mesma vida. Recuo no tempo. Não muito. O suficiente. Acontecimento estranho. Sigo intrigada. Semicírculo de jovens. Horror. Embaraço. Olhares centrados no cume da montanha da minha cabeleira. A energia. Percebo. Mensagem espiritual humana. Má fé. Reacções adversas. Saída. O choque imobilizante. Alguns espectadores em estado de choque. Revisão da cena. Uma espiral agonizante. Incredulidade. Percebo. Mesmo de fora, percebo. Questões evitadas. Mortas. Para quê? Não haverá certamente respostas. Aprendi a conviver com as armadilhas. As humanas. As espirituais humanas. Desmobilização. A incredulidade cede passo à indignação. O atrevimento! Gasto os passos emocionais do dia. Drenagem de energia. Sempre ela!
Mais um dia. Mais outro. Confusão. Assuntos. Espera. Partida da mais velha. Luta. Imposição num mundo difícil. Duas lutas. A humana e o estudo. A sorte ou o azar. Só o tempo perceberá. A alegria. O descanso psicológico. A certeza do equilíbrio. Por agora. Pelo menos.
Tempestade e bonança. Constância da vida. Luta pela superioridade. Necessidade de dominar. Impossibilidade. Frustração. Nada é importante para mim. Parece ser para outros. Difícil. Pessoa íntima. Falta de conhecimento. Uma vida inteira! Chantagem. Toda a espécie. Cansaço emocional. Incompreensão. Desgosto. Visita a memórias distantes. Memórias residuais. Passo à frente. Não se espera o impossível. Outra estratégia. Nenhuma certeza. Apenas a vontade. E só. Calma. Transformação da fragilidade em força. Ignorar. Ignorar os maus tratos verbais, psíquicos e psicológicos de uma fragilidade apenas aparente. Sensibilidades diferentes. Muita diferença. Boa vontade. A esperança. Uma certeza. O que depende apenas de mim, consigo. Se depende de outros, resta a dúvida. Ou a certeza. Não se produzirão modificações. Sem reconhecimento não há modificações. Mãe. Uma distância enorme.
Dispersão. Sentimento em prevalência. O círculo habitual apagou-se. Novo início. Desconhecimento da forma. Ignorância. Preferível. Cada momento, cada passo. A melhor filosofia. Não esperar nada. Viver. Simplesmente.
O ácido da vida corrói o metal. Os alicerces abanam. Não caem. Há uma cola incorrosível. Todos têm de a descobrir por si. Em si. Não há remédios. As soluções medem o homem. Mundo sobrepovoado mas o caminho é individual. Mesmo tendo um exército à nossa volta, estamos sozinhos. A solidão é a nossa companheira. A verdade do que se é, remove o que outros pensam. (Querem pensar.) As máscaras e a verdade. A descoberta do outro. A nossa defesa. A atenção. A arma mais perfurante. O bálsamo para feridas.
Distracções sobre a verdade. O pensamento enganoso. A desconsideração pelo próximo. A revelação. O desempenho da personagem tem limites. Nada é perfeito. A transpiração da verdade. Mérito dos dois lados. Estupidez de um lado, inteligência do outro. A confrontação com a realidade. A coragem da observação. A coragem da compreensão crua.
A agitação. As jovens pernas ansiosas. O esquecimento. As questões lançadas ao ar. A pressa. A corrida. O pedido satisfeito. A alegria de servir o próximo. E só. A viagem. A deslocação a diversos pontos das regiões. O combate. Por tudo. Por nada. O estado de alerta. A dedicação. A satisfação do dever cumprido. O amor à vida. Confusão com o amor ao próximo.
O sono enraizado no pequeno ser. O acordar adiado. Tarefa. Nenhum telefonema. Resolução do problema. O dever. A solução.
O sol arranca o seu potente motor. Os dardos brilhantes enterram-se na pele. Estende o manto de oiro na terra poeirenta e dura.
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por fatimanascimento às 10:51
Terça-feira, 17.09.13
Semana implacável. Mordeduras da alma. Perda. Orfandade. Convívio duvidoso. Insultos. Predisposição para a fúria.
O globo da vida caiu das minhas mãos. Ruiu. Desenhou no solo um mapa labiríntico. Obscuro. Os olhos da vida foram vendados. O fruto foi colhido prematuramente. Ou estaremos nós humanos esquecidos da meta da vida? Vivemos na ignorância forçada. Não estamos preparados. Não nos preparamos. A luta diária não permite. A reflexão cai inanimada. Espezinhada. A agressão da surpresa. A tortura emocional. O sentimento de orfandade. Recordação de momentos. As portas da vida encerraram-se sobre uma vida brilhante. Preciosa. Uma brilhante alma. Uma estrela mais que iluminará o firmamento.
Despedidas. Distância do espaço. Aproximação da alma. Uma asa batida num firme ritmo apressado. O poente como destino. Poeira de luz doirada como estrada. O adeus físico. O reencontro celestial acordado. A libertação. O regresso à casa do Pai.
Retorno à vida quotidiana. A luta pela sobrevivência. O desemprego. A indiferença governamental. A incompreensão. A hostilidade da pessoa supostamente mais próxima. A estupidez. A agressão verbal e psíquica. O regresso dos momentos passados. Atrozes. A chantagem. A inferiorização intencional de um ser. A morte psíquica desse ser. As fragilidades semeadas pela violência. As fragilidades vítimas da violência exterior. O negro passado desenterrado. O ódio. O curto acto violento. O fingimento. A dor inexistente usada de forma fantasmagórica.
Passagem de outro aniversário. O 11º. Uma criança com desejos. A pobreza forçada. A capacidade de tornar o impossível possível. Um desejo realizado. Uns olhos iluminados. A felicidade. A partilha. O agradável convívio. O quarteto. A família no sentido mais básico. A recuperação momentânea da privacidade perdida. O lar. A tentativa desesperada de recuperar o ambiente familiar. O resultado de encontros infelizes com seres menores, identificados nas terríveis acções cometidas. E foram tantos! E são tantos!
Conversas indiciando mentes tortuosas. A dúvida ratificada. A cobra instalada no coração familiar. A atenção redobrada. Os sentidos alertados. Cada sílaba pronunciada num determinado tom, as mensagens com duplo significado, os esquemas mentais decifrados… A vigilância instalada.
Os revezes instalam-se. O carro é alvo de todos os problemas. Panela do escape. Bateria. Comprar aquela implica a existência desta. Resolvido o problema. Dinheiro escasso. Material barato. Falta de peças pequenas. Carro com ruído. Viagem barulhenta. Material escolar exorbitante. Preços comparados. O mais barato. A registadora mostra preços diferentes. O barato sai caro. Reduz-se os cadernos. Outra empresa. Mochila e bolsa escolhidas. A mesma força de raciocínio. Escolha aprovada. A vaidade frente ao espelho. Excelente compra. Regresso. O ruído incomodativo. A chegada. A reparação possível.
Preparação da mochila. A transferência demorada. A espera. A ansiedade de uma vida demorada. O prazer antecipado. O convívio com os futuros colegas. A autonomia. A insegurança. As ilusões desenhadas na face. O cansaço da espera. As desilusões temidas. A vida adolescente a despontar.
Cada vivência é momentânea. A esperança, enraizada na fé, é o farol da vida. A aceitação não é resignação. É resistência. Uma luta oculta. Só.
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por fatimanascimento às 20:05
Sábado, 07.09.13
Um diário supõe um registo diário mas não consigo cumprir. Não posso exigir mais de mim. Fiz um acordo tácito com a minha pessoa: o incumprimento irá desaguar num resumo semanal. Tentarei não ultrapassar este espaço temporal. (Já o ultrapassei!) Não vou exigir muito de mim. Caminharei ao sabor do vento.
Os trabalhos em casa da minha mãe continuam. A garagem está quase pronta. Falta só uma segunda passagem. A primeira demão não conseguiu cobrir as manchas. Tudo aponta para a conclusão rápida. Parece ser hoje. A ansiedade da minha mãe ajuda. O meu primo tem realizado um trabalho óptimo. É incansável! E perfeccionista! Tem respondido favoravelmente à pressão da tia materna. E não é fácil.
Ontem, saí da cidade após muitas semanas encerrada em casa. Fui levar a minha filha â praia. Falta de planeamento. Toque do telefone. Notícia de última hora. Não tem jantar. Condução já iniciada. Nada a fazer. Frustração e revolta do mais velho. Telefone desligado repentinamente, Irritação da irmã.
A tarde desce lentamente. O sol fere os olhos com as suas espadas brilhantes. Paragem na gasolineira. Um preço mínimo de combustível. O suficiente. Ida e volta.
Foi uma oportunidade excelente para rever a localidade onde passei os verões da minha infância. Encontrava-se debaixo da cortina pesada e fria da noite. O mar parecia um lago visto do paredão. Tão inofensivo! (E conheço o seu temperamento irascível e imprevisível para os incautos e os audazes.) Pequenas ondas negras, brilhantes à luz oblíqua dos candeeiros, corriam para a areia como pequenos magotes de pessoas. Parecia abrir-me uns saudosos braços. Deixei-me envolver. O vento fustigava o meu rosto. O bafo húmido apertava-me. Um arrepio percorreu a mulher ao meu lado como um raio. Um queixume lançado ao ar cortou o burburinho das vozes noctívagas. Absorta, abro o coração encriptado às águas pintadas de negro pela mão da noite. A ligação emocional desprendeu-se como um papagaio de papel ao vento. Poderia ficar ali eternamente. O grupo avançou na claridade húmida.
Escolheu-se um café da avenida. O ar morno digladiava-se contra o desconforto da rua. A luz e o ar morno temperavam a atmosfera calma. A hora avançada apagara a clientela. Só os aventureiros permaneciam. Bifanas para todos. Alegre conversação. Uma telenovela morrendo lentamente no televisor. Guardei a minha filha mais uns minutos junto de mim. Não seria por muito mais. Os jovens enfrentaram a escuridão rumo a um destino secreto. Sigo as suas pisadas diluídas no ar frio. Completo o círculo da caminhada. A minha infância revivida numa hora. As mesmas rochas encobertas, o eterno rio escorrendo para o mar, os elegantes pinheiros, a mesma estrada, o bar de face recuperada. Acima, um céu escutando o sussurro marítimo. A paz invadindo o mistério das almas.
O regresso. O café aguçou os sentidos. O descanso branco. O sono partiu. A estrada rasgada pelos faróis. Os quilómetros engolidos pelo motor. A solidão na corrida trespassada pela música. O ciclo da vida semeado na conversa. A cabeça loira abatida pelo vigor do sono. A chegada. O som das portas batidas esvoaçando. A porta. A entrada. O reencontro com o aconchego do lar. A descoberta. O sono estendido no colchão. Uma forma adolescente dobrada. Os caracóis escuros espalhados na fronha colorida. O rebento. Estendo-me a seu lado. Enfrento a acalma de um sono irreconciliável. Debato-me com a cafeína, amiga das horas ao volante. As brincadeiras dos gatos. Os ruídos. A impaciência. A entrada num mundo desconhecido. O sono vigília. A madrugada indomável vestida de um branco sujo. A inclinação dos eucaliptos. A nitidez crua da fotografia da janela. A coloração do pincel solar. O nascimento da manhã.
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por fatimanascimento às 12:00
Sábado, 31.08.13
Tenho um motim aninhado nas minhas mãos. Permaneço inflexível. A insistente rapariga não se detém. O sentido de humor ajuda. Tem de aprender as prioridades. A brincadeira vem depois das obrigações. Uma parede da casa da minha mãe tem uma infiltração que ela foi combatendo conforme podia. Chegou o momento das obras. Todos temos de ajudar fazendo o trabalho não especializado para diminuir a conta que, sem essa ajuda, seria incomportável. Vamos retirar a tralha acumulada e arrumada junto das paredes da garagem para o senhor amanhã poder realizar o seu trabalho. É o que vamos fazer esta tarde.
Esta noite dormi melhor. Desconheço a razão. Foi bom. Nem ouvi o grilo! Antes, adormecia facilmente mas acordava a meio da noite sem conseguir voltar a fechar o ciclo onírico.
Acordei cedo. Talvez tenha sido a preocupação com as listas que demoram a sair. Até ao momento (são 14:00) ainda não sabemos os resultados. Também não há informações. Não sabemos o que se passa. No ME não atendem o telefone e não há indícios de chamadas em espera.
Trabalhámos bastante após o almoço. A garagem está cheia de objectos supérfluos. Como éramos muitos, foi rápido. Colocámos tudo ao centro e libertámos as paredes. Ainda conseguimos separar algumas tralhas para as colocar no contentor com êxito. Acabada a tarefa, dobrei a roupa recolhida do arame e aproveitei para coser o casaco de malha preto e fino da mais velha. Sentia a calma invadir todo o meu corpo aliviando a tensão constante.
No final da tarde, fomos às compras. O preço não justifica a pouca quantidade. É desanimador! O dinheiro voa da carteira! E escolhemos o mais barato!
Mantive o contacto com a minha colega. A lista da mobilidade interna saiu a meio da tarde. Conseguiu a escola dos seus desejos! Não poderia estar mais feliz! Depois de um ano complicado numa escola, a felicidade! Todos estão satisfeitos por ela. Os telefonemas de felicitações sucediam-se.
Sinto uma estranheza incompreensível. Não me recordo de uma espera tão longa. Segundo suspeitas, tudo se deve ao chumbo do Tribunal Constitucional. Mais uma vez, os contratados vão ser um peão no vasto xadrez das intenções governamentais. Dia 2, tenho de entregar o documento da escola no Centro de Emprego. Se as listas dos contratados só sairão, segundo os rumores, lá para o dia 9, este mês vamos ser pagos por outro Ministério que não o da Educação. Os mapas de vencimentos têm de ser enviados até ao dia 10 de cada mês. Ao que parece, esta jogada do governo pretende mostrar à Troika que conseguiu cumprir o défice. Sem comentários.
À noite, estava cansada mas feliz. Tenta-se realizar o máximo para poupar o máximo! E o senhor, trabalhador da construção civil desempregado, nem leva caro. Mas como o dinheiro escasseia, todos fazemos o que podemos. Todos ganhamos com a poupança. E conseguiremos! Dentro desta época conturbada, a união para um mesmo objectivo familiar – a ajuda a um familiar – está a dar resultados. Todos perceberam que essa ajuda é para o bem de todos. Ajudando uma pessoa estamos a ajudar-nos a todos! É um interregno feliz no meio da tempestade económica. As notícias de certas decisões governamentais erradas, dominam a opinião pública. E o sentimento dominante em nada lhe é favorável. É uma ervilha enrugada na intempérie. O governo é formado por pessoas e todos concordam num ponto – não stão a seguir o caminho certo.
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por fatimanascimento às 13:29
Terça-feira, 27.08.13
Festa dupla! Avó e neta fazem anos! Para a primeira é um dia normal se exceptuarmos possíveis telefonemas de felicitações. Para a última, foi uma surpresa total. Não fazia a mínima ideia do que a esperava. Eu fora informada com antecedência mas tive de me manter fiel à promessa. E as novidades ainda não terminaram. Para já posso adiantar que o sonho de visitar o Jardim Zoológico tornou-se realidade. Esteve lá quando era ainda pequena e não se lembrava de nada. Adorou. Quando lhe telefonei para dar os parabéns, estava na praia. Mais um sonho realizado! Não posso contar mais. Só posso dizer que é bom ter amigos!
Acabei de ler um livro muito interessante. “Irmãos” de David Talbot. (Campo das Letras.) Estava na Fnac a vinte e três euros e passou na caixa a oito euros e muitos cêntimos. Nunca me lembro de ler um livro histórico de investigação tão bem escrito. Fala dos irmãos Kennedy. Recomendo vivamente. Americanos, acordem! Ainda podem fazer a diferença. Exijam! O resto do mundo que não se envaideça, não acontece só lá! Não digo mais.
Os meus primos assinaram há pouco o contrato do Rendimento Mínimo de Inserção. Estão mais animados. Ele está ansioso por entregar o documento no Centro de Emprego e começar o périplo pelas empresas do concelho e não só. Vai também investigar os outros mais próximos.
Os meus três gatos defendem-se do calor. Procuram os locais mais frescos da casa e… dormem. Têm uma vida pouco activa, à semelhança da dona. Tenho de começar a praticar exercício! Urgentemente!
A minha mais pequena está mais magra. Muito elegante. O oposto da mãe! Está a aproveitar bem as férias. Como trabalhou bem durante o ano lectivo e me ajudou imenso em todas as tarefas caseiras, abri-lhe as portas da liberdade.
Ontem, à tarde, recebi a carta com o documento que deverei entregar ao Centro de Emprego, caso não comece a trabalhar no início de Setembro. Enquanto me dirigia para lá, não deixei de recordar os tempos de desempregada. Não há local mais deprimente e degradante, pois recorda-nos permanentemente a nossa situação desoladora.
À noite, o Bruno deixou a namorada no carro e entrou em casa. Não quis subir. Estava temerosa. Ainda é cedo. Concordo. Esperemos que a relação dure algum tempo! Fazia-lhe bem. Não ficou muito tempo. Cumprimentou todos e levou a irmã mais nova para a apresentar à namorada. A pequena gostou do gesto. A rapariga tem o seu tamanho. E é bonita. Hum… parece aprovada! A aparência não é requisito para mim, desde que seja pessoa de bem…
Maria apareceu também. Trazia o vestido que usará no casamento. Vai ser uma das damas de honor. A moça que vai substituir não pode estar presente por motivos de trabalho. Está entusiasmada. Falou das modificações que tinha em mente. Gostei do fato tal como está e não percebo porque tem de ser modificado. As americanas, salvas as excepções, usam o mesmo corte!
Também não demorou muito. Fui informada dos últimos preparativos da festa. Realmente, está bem planeado! Fingi-me ignorante. Não poderia estragar a surpresa. E consegui! Estou a ficar boa na arte da dissimulação!
São quase seis e meia. Tenho de terminar. A festa surpresa espera-nos na casa da avó. Ainda não lhe dei os parabéns. Não tenho telefone fixo e o telemóvel não foi carregado. Só pessoalmente a poderei felicitar. Estou a caminho.
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por fatimanascimento às 18:23
Domingo, 25.08.13
Agosto está no fim. Setembro nasce num Domingo. O calor, junto à dança dos eucaliptos, invade casas e corpos. Esta noite, o sono libertou as asas do sonho. Era como se vivesse uma vida paralela. As inquietações tomaram a forma corpórea. Eram várias histórias desenrolando-se a um ritmo incrível.
Depois desta noite vertiginosa, consegui a reunir a força necessária para me levantar. Pedi o mesmo sacrifício físico à pequena. Fomos à igreja. Pedi boleia. Uma vizinha levou-nos. A ideia de levar uma carrinha para um local de esforçado estacionamento, não me seduz. Após o ensaio dos cânticos de louvor, e no silêncio da pausa, peguei na Bíblia Sagrada e li o “Apocalipse”. Não sei porquê. Mergulhei, interessada, na leitura. A leitura foi interrompida pelo compasso musical. Abandonei. Coloquei o livro emprestado na cadeira adormecida. A leitura não me saía da cabeça…
Após a celebração, o regresso a casa. Um telefonema arrastou-me até casa da minha mãe. Os dentes do siso da minha filha mais velha estão a manifestar-se. Encontrei paracetamol para aliviar ou mesmo combater a dor. Um para tomar com a periodicidade de oito horas e outro para intercalar. Vamos ver… Os meus dois mais velhos estão destinados a visitar o dentista esta semana. O Bruno mais do que ela devido à sua cardiopatia. Está solucionada mas os cuidados continuam.
Discuti com a minha mãe. Uma parvoíce. A casa, à entrada da cozinha, tinha um cheiro desconcertante. Estava ainda de camisa de dormir a preparar o almoço para as duas moças. Assim que falei no mau cheiro, ela que nos recebera de com um “Já cá estás? Logo de manhã?”, mal-humorado, seguido de “Indispões as pessoas logo de manhã!”. Referia-se ao cheiro. Respondi que para evitar isso mesmo, ia lá poucas vezes. A partir daqui, o ar pesado desmoronou-se. Gritámos. Ela pôs-me na rua. Lembrei-me de uma frase que o meu pai repetia desolado “Nunca sei quando a tenho pelas mãos ou pelos pés!”. Os meus primos são da mesma opinião. Ela parece ter gosto em magoar as pessoas. Pelo menos, algumas. Sim, porque ela não é assim para todos.
A tarde avança cautelosa, no dia incendiado. A televisão continua a ser a distracção dos pobres. A música também. E a leitura. Ah, e os passeios pedestres à volta do bairro apreciando a brisa fresca liberta pela reclusão voluntária do sol. A primeira continua com uma programação desinteressante. Lá surge um programa ou outro com mais interesse mas no geral a programação é medíocre.
A Inês foi brincar com os vizinhos. Tudo quanto envolva dinheiro está totalmente afastado. Se já vivíamos com dificuldades, as medidas causadas pela crise acentuaram o grau de pobreza. A alimentação piorou em termos de variedade, qualidade e quantidade. Recorre-se aos produtos brancos que vão ganhando a qualidade reclamada pelas marcas. Não havendo dinheiro, ignora-se a qualidade. Mesmo nos produtos de beleza. A prioridade vai para a higiene. Nada mais. Não sou das pessoas que mais se ressente com a crise. Nunca precisei de muito para viver. Mas o dinheiro para as responsabilidades e a comida é que já vai sendo escasso. E de todos os lados me chegam notícias de pessoas e empresas com problemas financeiros. Uma delas está em risco de falência porque não consegue pagar os 1000 euros mensais de juro ao Banco. O proprietário não consegue renegociar a dívida. Só consegue pagar 600 euros. A identidade bancária não aceita. Prefere a insolvência a perder dinheiro. Dei a ideia da transferência da dívida para a concorrência que apresente uma taxa de juro mais baixa. Embora cépticos, os donos prometeram tentar.
Não se percebe um país cujo povo paga os maiores impostos da Europa e os governantes imergem o país em crises. E conhecem-se os sectores esbanjadores!
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por fatimanascimento às 16:49
Sábado, 24.08.13
As preocupações não cessam. E os problemas também não. Parecem jorrar de uma fonte inesgotável.
O Bruno tem uma cárie dentária. Este é o maior de todos. Sempre o avisei dos perigos. Nada. Não sei se está a tomar o antibiótico com a regularidade desejável e ainda não sei se já marcou consulta numa clínica dentária.
Entretanto chegaram duas contas hospitalares para pagar. Paguei a primeira. A segunda ficará para o pai. Embora tenha deveres, esquece-os. O rapaz não vai ter coragem de lhe apresentar a conta. Pagá-la- á ele mesmo. Mais pessoas concordam comigo. Reage sempre mal quando lhe pede dinheiro. Homem horrível! Pai horrível!
Ontem, fomos a casa da minha mãe. Ajudámos na limpeza e nas camas. O jardim continua por conta do meu primo. Este faz um trabalho bom. A velhota parece satisfeita. E se é exigente! Ele costuma dizer que é “Jesus ao quadrado”. Este é o apelido da família. E há muitas semelhanças! Na exigência no trabalho, por exemplo… Mas também há diferenças. Diferenças no sentido positivo. Felizmente! A mulher tem-se ocupado da comida e da casa. Também não há muito a fazer. A casa está vazia! E não sei se terão ajuda para conseguirem a sua casa. Esta seria a situação ideal.
Maria já deve ter comprado o livro de código. Dei-lhe o dinheiro e exigi isso mesmo. Foi uma espécie de ultimato! Tenho de controlar as saídas. A última foi a despedida de solteira da Catarina. Vai-se casar no próximo Sábado.
Inês já anda preocupada com o material escolar. O dinheiro é pouco. Vai ter de esperar. Quero ver se consigo arranjar livros em segunda mão. Esta troca de manuais escolares é uma excelente ideia. Só terei de comprar o restante material.
Ontem, estive ao telefone com a minha melhor amiga. Mais de duas horas! Nada a estranhar. É habitual! A conversa vagueou por sendas variadas. Como acontece quando duas pessoas já não conversam há algum tempo! Muito a dizer! Risos! Uma conversa inteligente! O pior foi o sono! O cansaço! Só estes nos derrubaram!
O mês passado foi terrível! O vigarista a quem vendi o carro nunca o passou para o seu nome. Nem sequer pagou à financeira o preço correspondente às duas últimas prestações. (Foi este o preço de um monovolume em perfeito estado!) Nem o imposto de circulação. Resumindo: tive de pagar este com multa! E foram bastantes! Estão atrasadas! Tenho os papéis da data da apreensão do carro. Mas de nada serve. Pago e só depois poderei expor o assunto às autoridades. Para já não falar dos danos causados ao carro! Os bancos traseiros desapareceram. Algumas peças do carro estão presas com arame, os pneus são todos diferentes… Vale a pena continuar?
Como se cria um vigarista? Será inato? Serão os exemplos educativos? Julgo ser esta uma das características mais vergonhosas de um ser! Pior do que isto só o psicopata ou o pedófilo! Teria vergonha e um profundo desgosto se tivesse um filho assim! Não há neste ser nada de digno ou de honroso. Tudo o que fez leva a crer que tenha sido premeditado! Só uma palavra o descreve: horror! Quem se quer cruzar com um ser destes?
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por fatimanascimento às 11:43
Sexta-feira, 23.08.13
Escolho as horas tardias para voar nas ondas da noite. Encontro a privacidade que não tenho. É o reencontro comigo. O momento em que o pensamento voa sem destino, saltitando de ramo em ramo. É neste momento banhado de silêncio argênteo que descubro as rotas de cada ser humano.
Ontem, a minha mãe regressou da sua semana de férias. Fez-lhe bem. Parece relaxada e satisfeita mas não sei por quanto tempo. Há já bastante tempo que não se afastava do seu tecto e jardim. O seu mundo. Foi acompanhada de uma amiga. Esta é mais nova e, muito sinceramente, não consigo gostar dela. Foram ao cabeleireiro, compraram cremes para o rosto. A amiga pagou. Partiram numa tarde fogosa de Julho. Instalaram-se numa pequena localidade junto de Mangualde, onde vive uma das irmãs e Gradiz, a terra onde nasceu. O motivo foi a venda de um terreno comum às duas. O irmão mais novo manifestou interesse na compra. Nada feito. A mulher opõe-se. Como se não bastasse, desrespeitou a minha mãe. Os irmãos que assistiram, nada fizeram. Veio desmoralizada. A ideia de família, que ela sempre quis vender, morreu. Mas, teimosa como é, vai continuar. Afinal, o maior cego é o que se recusa a ver!
Depois desta experiência, voltou a repetir. Parece ter gostado. Novo destino: Castelo de Vide. Convite feito pela mesma amiga. Novas ofertas. Tudo pago pela mesma pessoa.
Os meus primos continuam em minha casa. Estão ambos desempregados. Telefonaram-me em Junho contando a situação em que se encontravam. Vieram para o Entroncamento. Já trataram do Rendimento Mínimo de inserção e a garota tem direito ao abono. Já está matriculada na escola e os pais vão começar a trabalhar em breve. Tudo parece equilibrar-se.
A minha mãe, que ainda acredita no Pai Natal, ainda pensou que os irmãos a ajudassem neste momento difícil. “A tua filha chamou-os para lá, ela que os sustente”- foi a resposta ácida. Uma onda de revolta invadiu-me contra tanta indiferença e maldade. Não iremos precisar deles, se Deus quiser. Mas estas palavras colam-se à minha mente. Ignoro-as. Mas não posso deixar de pensar no espírito dominante desta família, onde todos falam uns dos outros pelas costas e se cumprimentam com um sorriso pela frente. Melhor esquecê-los.
O Bruno telefonou. Tem dores de dentes. Levantei-me para o levar ao hospital. Precisa de antibiótico para combater a infecção e ir ao dentista. A primeira parte está feita. Tem cinco dias para ser consultado. É uma urgência. Problemas cardiovasculares.
A Maria regressou da praia com os amigos. Estava a dormir. Não a acordei. Falarei com ela amanhã.
Chegada a casa, o meu pequeno gato esperava-me a meio da escada. Uma manha clara na obscuridade. Peguei ternamente no pequeno ser e transportei-o ao colo até ao quarto onde dorme aos pés da cama enrolado. Tenho um especial carinho por ele.
O meu outro gato, já adulto, acabou de empurrar a porta envidraçada da varanda. Deu por terminada a sua aventura nocturna. É o mais inteligente. Foi criado por mim. Ele e eu. É o gato mais humano que conheço. Muitas pessoas nada amantes de gatos acabam cativadas por ele. Tenho de concordar. É especial. A ligação entre nós é forte. Foi a melhor prenda recebida.
Continuo à espera de colocação. Só mesmo no final deste mês. A ansiedade é enorme. Trata-se da minha sobrevivência e dos meus. Tento ser positiva. Tenho de acreditar.
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por fatimanascimento às 02:40
Terça-feira, 20.08.13
Terça-feira, 20 de agosto de 2013
Não sei porque escolhi esta data. Talvez por ter, finalmente, uma boa notícia neste deserto de vida. Recebi esta manhã a sms de uma antiga aluna muito querida – a Sandra – dos meus tenros passos no ensino. O ano passado ofereci-lhe alguns dos meus livros publicados. Recebi hoje a sua apreciação. Não é o que diz, é o carinho e a sinceridade que transmite. Depois de uma noite quase em branco, caiu como orvalho numa manhã quente. “Olá, bom dia, querida Fátima. Estou a mandar a msg para lhe contar que descobri que gosto muito de ler, coisa que, até então, não fazia o mínimo sentido para mim. Agora, não passo sem um livro na mesinha de cabeceira. E como não podia deixar de ser, comecei a ler os seus. Digo isto com algum constrangimento mas talvez só agora começou a fazer sentido fazê-lo. Comecei por ler “O Sonho”. Gostei muito da história mas fiquei com pena que não tivesse continuado para também nós partilharmos todo o sonho do Lourenço. Vou continuar a ler todos os outros. Espero que esteja tudo bem consigo. Beijinhos com saudades.” O meu coração exultou de alegria ao ler estas palavras maravilhosas todas reflexo de um coração autêntico.
Ontem também recebi outra alegria. A saudade fez o telemóvel tocar. Do outro lado, duas meninas gritando e rindo deixando correr a emoção como um rio de forte caudal. Adivinhei de quem se tratava apesar de tudo. Reconheci as amáveis, alegres e emotivas vozes. Lá se acalmaram e as palavras pronunciadas libertaram-se ao vento como folhas de outono. A emoção, ainda presente, atrapalhava a lógica entrecortada. Percebi que precisavam mais da presença do que das palavras. Não é preciso dizer muito. Muitas vezes nem é preciso dizer nada. Só a ausência física tornava necessárias as palavras. Este é o verdadeiro gostar. Aquele que ultrapassa a comunicação.
Toda a manifestação de carinho surge quando menos espero, quando mais necessito. Voltou a suceder. Não estou a passar um momento fácil. Em parte, deve-se à consequência da maldade de pessoas. Outras, às circunstâncias da vida. Consegui concentrar as duas. E não está a ser fácil. Nada! Estas manifestações de carinho são um momento de paz experimentado pelo fatigado soldado no meio da caótica e feroz batalha. São pessoas assim, ainda que novinhas, que fazem toda a diferença. São elas que dão um toque multicolorido a uma tela dançante a três cores. Sempre defendi que nós não devemos seguir a pegadas do mundo, devemos acrescentar-lhe a nossa migalha que, ainda que pequenina, acaba por fazer toda a diferença. É esta ideia que escapa à maioria das pessoas que retrocam zombeteiras “Tu é que vais fazer a mudança!” Não tenho tal pretensão. Mas percebi que os outros não o fazem nem querem que os outros o façam. Ou não falariam assim!
É em pessoas como estas minhas ex-alunas que eu ponho toda a minha fé. Reconheço nelas qualidades que faltam à maioria. Bem hajam por isso! São pessoas como elas que fazem com que a minha fé no ser humano não morra. São elas que me fazem lembrar que a bondade existe e que tenho de me concentrar nelas. Agradeço a Deus tê-las colocado na minha vida. Serão sempre uma bênção para mim. Elas e todos os outros que, embora distantes, sei que estão comigo. E são tantos! Tornam mesmo a desprezível guerra da vida, diminuta. São como um parque rodeado de ameaçadores altos prédios. Mas são!
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por fatimanascimento às 16:28